Travesti de Ribeirão Preto, SP, vê papel de professora como transformação social: ‘Se preconceito é doença, informação é cura’


Maria Fernanda Ribeiro Pereira aponta a educação como importante ferramenta para ocupar seu espaço na sociedade. Maria Fernanda Ribeiro Pereira é travesti e professora de arte em Ribeirão Preto, SP
Reprodução/Redes Sociais
Maria Fernanda Ribeiro Pereira, de 42 anos, é servidora pública e professora de arte em Ribeirão Preto (SP). O espaço que ela ocupa hoje vem muito da educação que teve na infância e na adolescência.
“Fui a primeira travesti da faculdade de arte, fui a primeira travesti no mestrado, sou primeira travesti na diretoria de educação de Ribeirão. Sou a primeira travesti professora do município, então é sempre assim. Precursora de um espaço que deveria ser de todos”.
É dessa maneira que ela acredita que o preconceito possa ser combatido: com pessoas travestis e transexuais ocupando mais lugares na sociedade, para que todos entendam que são seres humanos.
“É ter conhecimento, você tem que dominar o que você tem por direito e cobrar daqueles que, de fato, te representam, para que você tenha, no mínimo, assegurado os direitos mínimos. O direito à identidade, por exemplo, é um direito mínimo adquirido. Eu tenho direito a ser quem eu sou”.
Para Fernanda, o papel dela como professora ajuda na transformação social, desconstruindo o estigma em torno de travestis. “Se o preconceito é a doença, a informação é a cura. Sou travesti, sou professora, quero dignidade e respeito”.
Maria Fernanda Ribeiro Pereira comemora 42 anos com familiares em Ribeirão Preto, SP
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Descoberta aos 6
A travesti nasceu nos anos 80, quando o preconceito e o tabu sobre o tema ainda eram muito grandes. Ela se descobriu diferente do gênero que lhe era atribuído aos 6 anos, quando entrou na escola.
Na época, teve de passar por diversas consultas psicológicas, pois, por se comportar de forma diferente do padrão, foi considerada ‘doente’.
“Devido ao meu comportamento totalmente fora ao gênero atribuído ao sexo biológico, fui encaminhada para essas terapias e essas consultas”.
A primeira delas foi marcante na vida de Fernanda. Ela lembra que foi colocada em uma sala cheia de brinquedos e teve de escolher um, a pedido da psicóloga. Escolheu uma boneca.
Depois, a profissional pediu que fizesse um desenho e desenhou uma menina balançando e uma árvore. Ao ser perguntada se a menina do desenho era ela, respondeu que sim.
“Ela foi muito clara. Falou [para a mãe] ‘olha, seu filho não tem problema algum. Acho que o problema está com a senhora. É uma criança saudável, que tem um processo imagético e criativo muito grande’”.
A psicóloga não estava errada. E Fernanda acreditava que ela mesma também não. Como criança, imaginava que ‘estava tudo bem’ e que seu corpo iria se adaptar ao modo como se enxergava.
“Naquele mundo de infância, de criança, totalmente lúdico, eu sempre achava que uma hora meu corpo ia se adequar à forma que eu realmente me via e me identificava”.
Ela só começou a perceber que era diferente quando passou a ser perseguida pelos colegas.
Maria Fernanda Ribeiro Pereira se descobriu travesti aos 6 anos ao entrar na escola em Ribeirão Preto, SP
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Problemas na escola
Na escola Fernanda passou por diversos preconceitos e por muita violência. “Eu vivenciei na pele todo o processo de exclusão de todos os tipos de violência possíveis, desde a simbólica, psicológica, verbal, até mesmo a física, simplesmente porque o meu comportamento não pertence ao gênero masculino, que era o sexo atribuído a mim”.
Por sofrer muita violência dentro da escola, desenvolveu problemas comportamentais, porque sempre que recebia, devolvia.
A situação, ela diz, melhorou no ensino médio, quando se recusou a cortar o cabelo e passou a trabalhar para conseguir comprar roupas que se adequassem a quem ela era.
“Comecei a trabalhar muito nova, com 14 anos, porque meus pais sempre me deram roupas masculinas e [diziam] que se eu quisesse alguma coisa, tinha que trabalhar. Estudava de manhã e trabalhava à tarde para poder comprar minha primeira calcinha, meu primeiro sapato de salto”.
Apoio familiar e investimento em estudos
Filha de pai militar e mãe dona de casa, Fernanda é a caçula de cinco filhos. Na casa deles, deixar de estudar nunca foi opção.
Para ela, a preparação para enfrentar os preconceitos que viriam foi entender que não seria fácil, mas que o conhecimento e o diploma seriam ferramentas importantes e que ninguém poderia questioná-la.
“Meu pai sempre cobrou muito. Eu era aquela aluna que ia na escola do primeiro dia ao último, sem falta. Porque ele sempre falou para mim que eu poderia ser o que quisesse. Conhecimento e diploma, ninguém me tiraria e ninguém me questionaria”.
Fernanda é hoje formada em artes plásticas pela Universidade Federal de Uberlândia, professora de arte com licenciatura plena na habilidade tridimensional e mestrado em educação sexual pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara.
Atualmente, é servidora pública na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e professora de arte na Secretaria de Educação de Ribeirão Preto.
“Acabo tendo esse privilégio devido essa preparação que meus pais tiveram comigo dentro da educação, dentro da formação básica. Hoje ocupo esses espaços graças à essa herança”.
Maria Fernanda Ribeiro Pereira é professora de arte em escola estadual de Ribeirão Preto, SP
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Para Fernanda, apesar de todas as problemáticas em torno da população travesti, ter pessoas que acreditaram nela e que ela poderia confiar foi de extrema importância em sua trajetória.
“Por isso que eu sou professora hoje. Porque eu quero que os meus alunos LGBTs olhem e digam ‘existe um caminho’. É fácil? Não é. Mas também não é impossível. Dá para alcançar, dá para, pelo menos, sonhar”.
*Sob supervisão de Flávia Santucci
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