
Justiça autorizou suspensão de ações de credores e determinou depósito de valores da Latam. Companhia aérea de Ribeirão Preto alegou problemas agravados pelo desastre aéreo que matou 62 pessoas em 2024. Avião da Voepass no Aeroporto Leite Lopes em Ribeirão Preto
Érico Andrade/g1
A Voepass recentemente conseguiu na Justiça decisões que suspendem ações de credores e determinam depósitos em juízo por parte da parceira Latam como parte de uma busca de seguir com suas operações ao mesmo tempo em que tenta sanar uma crise financeira que se agravou com o desastre aéreo que matou 62 pessoas em Vinhedo (SP), na região de Campinas (SP), em 2024.
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Impactos da pandemia da Covid-19, acordos trabalhistas e divergências com a Latam, empresa com quem tem uma parceria desde 2014, estão no centro dos problemas financeiros da companhia aérea de Ribeirão Preto (SP), que já foi considerada a quarta maior do país e que recentemente anunciou uma reestruturação financeira.
Atualmente a Voepass tem 809 empregados diretos, incluindo pilotos e tripulação, e segue a operar voos em 16 destinos do país, com 11 aeronaves dos modelos ATR 42-500, ATR 72-500 e ATR 72-600.
A seguir, veja o que se sabe sobre a crise financeira da empresa, com base nos documentos referentes à ação divulgados no site da empresa de administração judicial que faz parte do processo da Voepass.
Qual é a dimensão das dívidas da Voepass?
As dívidas da Voepass atualmente estão orçadas em pelo menos R$ 215 milhões, sem contar débitos contabilizados em dólares.
Deste montante, R$ 30.263.045,02 são referentes a débitos trabalhistas. Outros R$ 114.942.714,55 são classificados pela companhia como créditos quirografários, ou seja, de pessoas jurídicas que têm a receber da empresa, mas que, em um eventual processo de recuperação ou de falência, não têm prioridade.
Visão aérea do avião da Voepass após acidente
Reprodução
Além disso, a companhia tem R$ 479.895,10 em débitos com microempresas e empresas de pequeno porte e outros R$ 69.881.787,76 de débito com credores extraconcursais, ou seja, decorrentes de negócios celebrados a partir de um processo de recuperação judicial.
Nessa mesma categoria, a empresa também declarou um débito da ordem de US$ 16,6 milhões, o que daria em torno de R$ 94,5 milhões, na conversão do câmbio comercial.
Quais são os principais fatores da crise financeira?
A Voepass já havia passado por um processo de recuperação judicial anteriormente, que foi encerrado em 2017, mas, há alguns anos, já enfrentava problemas financeiros decorrentes do cenário econômico brasileiro e mundial, que foram agravados por alguns fatores, sobretudo a partir de 2020.
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acordos trabalhistas
desastre aéreo
divergências com a Latam
Segundo a petição apresentada à Justiça, na cautelar pela reestruturação financeira, a pandemia da Covid-19 e as medidas de isolamento social levaram à paralisação dos voos em todo o território nacional.
Isso causou uma drástica perda no faturamento, que não fazia frente a despesas como os contratos de leasing, com pagamentos em dólares, para aquisição das aeronaves, além de custos com manutenção, muitos deles com a necessidade de peças importadas, e acordos trabalhistas anteriores, que deixaram de ser honrados, para a priorização de pagamentos dos funcionários ativos.
Nesse contexto, para manutenção dos empregos, a companhia informa que celebrou acordos para adequações de pagamentos com os sindicatos que representam os trabalhadores da empresa, que resultaram em um Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT).
Guichê da Voepass em Ribeirão Preto, SP
Reprodução/EPTV
Mesmo assim, ainda hoje restam execuções trabalhistas que resultam ou em pagamentos mensais – um dos acordos prevê um pagamento de R$ 2 milhões para a Justiça do Trabalho – ou em ordens de bloqueios que afetam as finanças.
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Segundo informações da petição, ao todo, a companhia tem 454 processos em execução avaliados em R$ 26,1 milhões, em todos os âmbitos. Isso, sem contar outras 1.538 ações, avaliadas em R$ 68,7 milhões, que são de conhecimento da companhia.
“O cenário atual dos processos trabalhistas que estão sendo executados de forma acumulada e desordenada através de constrições judiciais individuais coloca em risco a atividade econômica das Requerentes que estão na iminência de perder a gestão de seu caixa e assim deixar de cumprir pagamentos imprescindíveis para a continuidade do negócio no curto prazo, como combustível, salários e taxas de embarque, restando evidenciado o risco de grave e irreparável prejuízo no desenvolvimento de suas atividades”, argumentam os advogados da companhia, na petição.
Somado a esse cenário, a Voepass também alega que passou a enfrentar problemas de pagamento com a Latam, sobretudo após a tragédia em Vinhedo.
Desde 2014, a companhia de Ribeirão Preto tem um acordo de codeshare, ou seja, uma parceria que permite a utilização de aeronaves da Voepass por parte de passageiros que compram passagens pela Latam.
Esse acordo foi renovado em 2023 e aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), com duração inicial de mais dez anos, e, em agosto do ano passado, até antes do desastre aéreo, representava 93% do faturamento total da empresa do interior de São Paulo, com a utilização de dez aeronaves da Voepass.
De acordo com a companhia, no entanto, depois da tragédia na região de Campinas, a parceira solicitou a suspensão das atividades de quatro aeronaves, mantendo apenas seis em operação, e a partir de setembro deixou de pagar os custos referentes a elas, resultando em um rombo de R$ 34,7 milhões.
Essa falta de pagamentos, segundo a Voepass, levou a companhia a deixar de cumprir com acordos cíveis e trabalhistas, além de perder duas aeronaves e de atrasar o décimo terceiro dos funcionários.
“Um contrato de tal magnitude não consegue ser substituído no curto ou médio prazo, sendo o causador da incapacidade financeira injustamente imposta às Requerentes que, ressalta-se, seguem cumprindo com todas as obrigações pactuadas.”
Documentos obtidos pela reportagem apontam que a Latam, por sua vez, alega ter comunicado, no fim de janeiro deste ano, ter enviado uma contranotificação à Voepass questionando os custos fixos e alegando ter desembolsado valores superiores a R$ 30 milhões, para além de obrigações contratuais.
Além disso, alega ter comunicado a extinção do contrato por justa causa, em função do desastre aéreo, no prazo de seis meses – ou seja, vencendo no fim de julho deste ano.
O g1 procurou a Latam, mas não obteve um posicionamento.
O que a Voepass pediu à Justiça e o que ela obteve?
Na tutela cautelar, a Voepass encaminhou os seguintes pedidos à Justiça:
a suspensão das ações e execuções contra a empresa em 60 dias, além de demandas extrajudiciais de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens da empresa, como aviões;
a determinação para depósito, pela Latam, de R$ 34.774.407,92;
a vedação de retirada de aeronaves da empresa e outras execuções forçadas para quitação de dívidas;
a determinação para a manutenção de contratos;
liberação de R$ 2 milhões depositado em um dos processos trabalhistas contra a empresa;
interrupção do Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT) para que o montante seja quitado em eventual processo de recuperação judicial;
Na decisão do início de fevereiro, o juiz José Guilherme Di Rienzo Marrey, da Vara Regional de Competência Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem de Ribeirão Preto, atendeu parcialmente aos pedidos, determinando a suspensão, por 60 dias, da adoção de medidas judiciais por parte de credores que possam prejudicar a operação da empresa, inclusive a apreensão de aeronaves alugadas.
Em nova decisão, do dia 19, o mesmo magistrado determinou que a Latam deposite os R$ 34.774.407,92 no prazo de cinco dias, bem como deposite mensalmente valores referentes aos custos de manutenção das quatro aeronaves que deixaram de ser utilizadas. Ainda cabe recurso.
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