Caso Joaquim: por que júri de mãe e padrasto só acontecerá uma década após morte do menino?


Natália Ponte e Guilherme Longo, acusados pelo homicídio da criança encontrada no Rio Pardo, começam a ser julgados no dia 16 em Ribeirão Preto. Crime foi em 2013 e ganhou repercussão nacional; relembre. Guilherme Longo e Natália Ponte são acusados da morte de Joaquim, de 3 anos, em novembro de 2013 em Ribeirão Preto, SP
Cedoc/EPTV
Natália Ponte e Guilherme Longo, mãe e padrasto acusados pela morte do menino Joaquim Ponte Marques, irão a julgamento em Ribeirão Preto (SP) a partir da próxima segunda-feira (16), dez anos após o crime, que causou comoção popular e ganhou repercussão em todo o país.
Mas por que o processo demorou tanto tempo?
Por um lado, a acusação culpa a sucessão de recursos apresentados pela defesa dos réus, na tentativa de modificar os crimes a serem julgados ou mesmo de separar o julgamento dos acusados, sem contar a fuga do padrasto para a Espanha.
Por outro, a defesa de Guilherme Longo alega que os mais prejudicados pela demora foram os próprios acusados, principalmente o padrasto, mantido preso durante o trâmite judicial.

Advogado especialista em direito penal, o professor da USP Daniel Pacheco analisa que um júri popular, como o de um homicídio, geralmente tende a demorar mais a acontecer do que o julgamento de outros crimes considerados menos complexos, como um roubo, por exemplo, mas o caso em questão, pelas peculiaridades que carrega, foge à regra.
“É normal júri demorar dois, três anos para acontecer. Agora, a gente está falando de uma demora de quase dez anos. Então sai muito fora do que é esperado. É um caso único? Não. Eu diria que é um caso excepcional”, diz.
Para relembrar o caso Joaquim e abordar as expectativas em torno do julgamento, o g1 publica a partir desta quinta-feira (12) uma série de reportagens especiais.
O menino Joaquim Ponte Marques foi encontrado morto cinco dias após desaparecer da casa onde morava em Ribeirão Preto
Reprodução
Guilherme é acusado de homicídio triplamente qualificado por motivo fútil, meio cruel e recurso que impossibilitou defesa da vítima. Natália, por sua vez, também responde por omissão, uma vez que não o afastou do convívio com Guilherme.
Joaquim tinha 3 anos quando foi encontrado sem vida sobre as águas do Rio Pardo, em Barretos (SP), cinco dias após ser dado como desaparecido em Ribeirão Preto. O corpo foi localizado a 100 quilômetros de onde ele morava com a mãe, o irmão mais novo e o padrasto.
Para a Polícia Civil e o Ministério Público, o menino, que era diabético, foi morto por Longo com uma superdosagem de insulina.
Recursos atrasaram julgamento?
Na visão do promotor de Justiça Marcus Túlio Nicolino, responsável pela acusação, a demora está principalmente na série de recursos apresentados pelas defesas dos réus, além da fuga de Guilherme à Europa.
“A partir de 2014, 2015, foi uma tentativa dos réus de se safarem da responsabilidade pelo processo, foi criada uma série de incidentes por parte principalmente da defesa do Guilherme”, diz.
Entre os principais momentos do processo estão:
tentativa de desaforamento: apresentado com o objetivo de deslocar o julgamento para fora de Ribeirão Preto, alegando-se uma influência do clamor popular na cidade;
tentativa de produção de provas: desde a conclusão do inquérito, a defesa alegou falta de provas e solicitou laudos complementares, como por exemplo, uma nova perícia nas vísceras de Joaquim, que foi negada pela Justiça;
desmembramento do júri e mudança na tipificação do crime: ao longo do processo, as partes discutiram se Natália deveria responder por homicídio culposo, ou seja, sem intenção de matar, ou doloso, assim como Guilherme Longo. Além disso, aventou-se a possibilidade de mãe e padrasto serem julgados em momentos diferentes, o que acabou rejeitado.
Fuga de Guilherme para a Espanha e o processo de extradição: O padrasto de Joaquim foi preso em abril de 2017, teve a extradição aprovada em agosto daquele ano e somente foi levado de volta ao Brasil em janeiro de 2018.
“O processo, grande parte, se arrastou por conta da defesa do réu Guilherme, que criou uma série de incidentes.”
O advogado de Guilherme Longo, Antônio Carlos de Oliveira, por sua vez, rechaça a ideia de que os recursos apresentados por ele ao longo dos anos atrasaram o julgamento.
“O que a defesa fez foi exercer a garantia constitucional da defesa em praticar todos os atos do processo que iam ao encontro à ampla defesa e ao contraditório. Eu apresentei todos os recursos que a lei possibilita. Não recorri da pronúncia. Ele [Guilherme] foi mandado a júri, e eu não recorri. O que eu recorri no começo foram os habeas corpus.”
No recurso mais recente apresentado por Oliveira, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou o habeas corpus que pedia a retirada do sigilo do julgamento.
Segundo o advogado, o total de recursos na década foi de:
8 habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)
5 habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ)
3 habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF)
1 pedido de desaforamento
“Isso tudo veio a delongar o processo? Não, porque o pedido da defesa não tinha efeito suspensivo, nada impedia que a juíza marcasse o julgamento.”
Advogado de Natália, Nathan Castelo Branco destaca que, durante a década, tentou contrariar a denúncia de que houve omissão no caso por parte da cliente.
“Desde o início, o que a gente quer mostrar é que, primeiro, não houve a omissão porque não havia possibilidade de ela prever um evento monstruoso como esse; e segundo, não há como se falar, como está colocado na denúncia, que ela assumiu o risco, que agiu com desprezo ao não retirar o Guilherme do convívio familiar.”
Os advogados de Longo, Antônio Carlos Oliveira, e de Natália, Nathan Castelo Branco
Reprodução/EPTV
Por sua vez, Alexandre Durante, advogado do pai de Joaquim e assistente de acusação, alega que todos os recursos foram necessários para evitar nova manifestações futuras e estiveram dentro da lei.
“Seja pela defesa, seja pela acusação, seja por qual motivo for, ele exigiu todo um questionamento e aí não cabe a mim dizer se poderia ter sido mais rápido ou mais lento. O que teve foram questionamentos em cima de tudo que está sendo tratado no processo, e a lei permite.”
Alexandre Durante, advogado do pai de Joaquim e também assistente de acusação
Eduardo Guidini/g1
Demora foi ruim para o réu, diz defesa
Para Oliveira, a demora no julgamento foi prejudicial a Guilherme Longo, que está preso desde 2018, quando voltou à Penitenciária de Tremembé (SP), após ser extraditado pela Espanha, ao ser encontrado pela Interpol.
“A Constituição diz que a todos jurisdicionados é garantida uma Justiça célere. A partir do momento em que meu cliente aguarda quase oito anos preso para ser julgado, isso, a meu ver, fere a dignidade da pessoa humana. Isso vai ao desencontro a todos os tratados de direitos internacionais que o Brasil é signatário.”
Já Branco pontua a experiência adquirida para se ter uma atuação positiva no julgamento.
“Quando o processo começou, eu tinha 30 anos, era um advogado ainda jovem, e depois desse tempo todo, com uma atuação bastante intensa na advocacia criminal e também na docência, estudando direito penal e tentando ensinar um pouco do direito penal, considero que houve um amadurecimento, certamente, na carreira e espero que isso se reflita no julgamento.”
Por outro lado, Alexandre Durante reconhece o tempo estendido, mas entende que isso esteve dentro da normalidade.
“É óbvio que o nosso sistema legal é até um pouco moroso, mas faz parte das ferramentas que a própria lei permite que sejam usadas em qualquer das partes.”
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Natália Ponte e Guilherme Longo são acusados da morte do menino Joaquim Ponte Marques em Ribeirão Preto, SP
Arte/g1
Como será o julgamento
O julgamento de Natália Ponte e Guilherme Longo está previsto para durar seis dias. Apesar disso, o plenário do júri foi reservado pela juíza Isabel Cristina Alonso Bezerra Zara, da 2ª Vara do Júri e Execuções Criminais de Ribeirão Preto, pelo período de 16 a 27 de outubro.
O cronograma do julgamento é o seguinte:
16 de outubro (início do julgamento): depoimentos de seis testemunhas e informantes da acusação
17 de outubro: depoimentos de quatro testemunhas e informantes comuns às partes (familiares dos réus)
18 de outubro: depoimentos de oito testemunhas e informantes da defesa
19 de outubro: depoimentos de sete testemunhas da defesa
20 de outubro: depoimentos de seis testemunhas da defesa
21 de outubro: interrogatório, debates, réplica e tréplica
Morte em 2013
Em novembro de 2013, o corpo de Joaquim foi encontrado no Rio Pardo, em Barretos, cinco dias após desaparecer da casa onde vivia com a mãe, Natália Ponte, e o padrasto Guilherme Longo.
Para a Polícia Civil e o Ministério Público, Joaquim, que era diabético, foi morto por Longo com uma superdosagem de insulina. Depois, segundo a acusação, o padrasto jogou o corpo do menino no córrego próximo à residência da família.
O casal foi preso logo após o corpo ser achado, mas Natália conseguiu um habeas corpus e responde em liberdade desde 2014 pelo crime de omissão e homicídio triplamente qualificado. Segundo o Ministério Público, ela sabia que Longo era agressivo e havia voltado a usar drogas na época da morte do garoto.
Já Longo é acusado de homicídio triplamente qualificado por motivo fútil, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa. Ele voltou à Penitenciária de Tremembé (SP) em 2018, quando foi extraditado pela Espanha após ser encontrado pela Interpol em Barcelona.
Ele estava no país desde que fugiu do Brasil após conseguir a liberdade provisória em 2016. Longo foi encontrado em 2017 na Espanha, graças a uma reportagem investigativa do Fantástico, da TV Globo.
Foi por conta desse acordo de extradição que o padrasto deixou de responder por ocultação de cadáver, crime não previsto pela justiça espanhola.
Manifestações na porta da casa de Joaquim em 2013 após o corpo dele ser achado em Barretos
Fernanda Testa/g1
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