‘Mãe de pet é mãe?’: mulheres de Ribeirão Preto falam de afeto e cuidados com bichos de estimação


Tutoras descrevem sentimento por cães e gatos incorporados ao núcleo familiar. Especialista aponta benefícios e dá dicas para convívio saudável com animais em casa. Da esquerda para a direita, Eliana, Ana e Marina com seus pets em Ribeirão Preto
Arquivo pessoal
A empresária Eliana Aparecida Pinheiro, de 56 anos, se considera mãe de oito filhos. Além da filha Ariadne, uma mulher de 35 anos, os gatos Tofu, Pipoca e Chico, bem como os cães Dodô, Vitória, Pepita e Estrela completam a família multiespécie em Ribeirão Preto (SP), como ela própria gosta de definir.
O que é difícil de explicar mesmo é o afeto pelos bichos, que transcende a forma física, segundo Eliana.
“Definir o amor é tão difícil, mas acho que olhar nos olhinhos deles, poder cuidar, poder ter salvo essas vidinhas, tudo isso define o amor. Chega até a doer. Eu olho e falo: como a gente pode amar uma criaturinha tão pequenininha? A hora que eles olham, querendo dizer tudo que a gente entende só com o olhar, acho que isso é amor”, diz.
Para o Dia das Mães, o g1 ouviu histórias de tutoras que, mesmo já tendo vivenciado a maternidade em sua condição humana, estabelecem uma conexão muito próxima com seus pets e descrevem uma rotina de cuidados que, além do básico com alimentação e vacinas, passa pela garantia de bem-estar físico e comportamental dos bichos.
Um universo que envolve serviços de hospedagem especializada, câmeras de monitoramento e técnicas de adestramento positivo, método em que se recompensa os animais diante de comportamentos aprovados.
Uma especialista também dá dicas para uma relação saudável e sem exageros com os animais de estimação (entenda abaixo).
Eliana Aparecida Pinheiro, de Ribeirão Preto, e alguns de seus animais de estimação
Arquivo pessoal
‘Para mim são meus filhos’
Já são dez anos desde que a vida de Eliana, que tem um petshop e é apaixonada por animais de estimação, mudou quando começou a resgatar cães e gatos abandonados.
“Eu me sinto totalmente mãe deles, para mim são meus filhos. Eu acho que relação de mãe e filho não é só você colocar no mundo, é você cuidar, amar, respeitar o momento deles, as suas particularidades.”
Para os sete, os cuidados são os mesmos, da alimentação aos passeios diários e brincadeiras dentro de casa e os tratamentos veterinários, quando necessário.
“Apesar da correria, eu sempre tenho um tempinho pra eles. A gente vai ao campinho passear, correr um pouquinho, eles precisam de espaço e eu consigo dar isso pra eles. A gente retorna pra casa, eles se alimentam, depois vai cada um pro seu canto, têm acesso livre à casa, descansam, e à noite é hora da farrinha”, afirma.
Nessa relação de afeto, como não poderia deixar de ser, assim como as alegrias, os problemas de saúde também podem mudar o psicológico da mãe.
“Tenho aquela vontade de abraçar, de beijar, de cuidar, de ver feliz, de dar o meu melhor, sabe? A alegria deles é a minha alegria. Quando estão doentinhos ou com algum problema eu fico muito triste, mas é uma relação ótima, sabe, ver o carinho que eles têm, a doação, às vezes até aquele olhar de gratidão. (…) Pra mim são como crianças, eu olho pra eles assim, vejo aquela ternura, aquela necessidade de ser cuidado e exagero”, diz, aos risos.
Ana Cecília Grilli Fernandes Stefanelli com Pérola e Chiara, em Ribeirão Preto
Arquivo pessoal
‘Completam a nossa família’
Ana Cecília Grilli Fernandes Stefanelli, de 33 anos, já teria motivos de sobra para celebrar o Dia das Mães neste domingo com o recente nascimento da filha Helena. Mas, antes da chegada dela ao mundo, a fonoaudióloga garante que, guardadas as devidas proporções, já exercia o papel de mãe no cuidado diário de Pérola e Chiara, cadelas sem raça definida adotadas respectivamente há sete e seis anos após terem sido abandonadas nas ruas.
“A gente as chama assim: vem cá filha. Pra Helena [a gente fala]: olha Helena, essa aqui é a Pérola, sua irmã mais velha, essa aqui é a Chiara, sua irmã do meio. E pra elas [as cachorras] eu falo também: olha sua irmãzinha mais nova, sua irmãzinha caçula. Então a gente tem uma relação mesmo de afeto e de cuidado de pai e filho, de mãe e filha. Então eu me considero sim mãe de pet. Na verdade eu tenho três filhos: a Pérola, a Chiara e agora a Helena”, diz.
E não foi uma missão fácil assumir essa responsabilidade. Ana lembra que quando adotou Pérola, a primeira ser recebida pela família, ainda em 2016, a cadela estava com anemia, vermes e com princípio de pneumonia.
A tutora só sossegou até deixá-la em plenas condições de saúde. Hoje, além da alimentação e das vacinas, a fonoaudióloga atenta para questões comportamentais das cachorras, levadas periodicamente a uma adestradora.
Creche, para garantir o convívio com outros animais e a aquisição de brinquedos que estimulam e ocupam o tempo dos pets também fazem parte desse universo de atenção especial.
“A gente sempre compra brinquedos pra elas, como pelúcia, bolinha, mas também brinquedos mais inteligentes, que exigem mais da parte intelectual do cachorro, têm alguns tabuleiros que a gente compra. A gente aprendeu bastante coisa sobre enriquecimento ambiental, então é um cuidado que a gente tem com elas, de deixar sempre alguma atividade quando a gente vai sair (…), fora o passeio que é um cuidado básico que pra gente é sagrado.”
Para um convívio mais harmonioso em casa, a família também fez questão de preparar, aos poucos, Pérola e Chiara para a chegada da menina Helena.
“Era muito importante que as nossas cachorras ficassem bem, porque a gente sabia que ia ser uma boa mudança de rotina, então a gente fez durante todos esses meses, com a adestradora, todo um treinamento para as cachorras irem se adaptando à chegada da Helena. Então eram sons, a gente tinha uma boneca para elas se acostumarem a terem alguma coisa no colo.”
A fonoaudióloga tem consciência das limitações do tempo desses animais queridos com relação à vida de um ser humano, mas para ela, enquanto estiverem vivas, Pérola e Chiara sempre farão parte da família.
“Esse amor que eles retribuem pra gente, essa coisa pura, verdadeira, sem ter interesse por nada, isso vale muito a pena e a gente fica até pesarosa de eles não viverem mais anos do que vivem, porque eles completam a nossa vida, completam a nossa família e trazem muita alegria pra gente.”
A publicitária Marina Vargas, mãe do Croquete, de 3 anos, em Ribeirão Preto (SP)
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‘Ter a creche é ter rede de apoio, não um luxo’
Por vezes não compreendidos por quem não tem pets, serviços como creches e hospedagens especializadas são considerados essenciais para tutoras com a publicitária Marina Vargas, de 39 anos, mãe do Croquete, de 3 anos.
Resgatado durante a pandemia, o cão se recuperou de problemas como a doença do carrapato e desnutrição, mas tem ansiedade por separação, o que pode ter se desencadeado por uma predisposição ou ainda em função de ele ter sido mantido preso na lavanderia do apartamento do antigo tutor, segundo Marina.
“O grande dilema é que ele não pode ficar sozinho. Ele entra em desespero, vocaliza, late, uiva, chora, pode se machucar ou ficar prostrado sem se alimentar, sem beber água”, diz.
Por isso, para a publicitária, qualquer compromisso diário que não inclua o Croquete demanda toda uma operação especial.
“Conto com uma creche para cães durante os dias em que preciso trabalhar fora de casa e hospedagem em hotelzinho quando tenho que me afastar à noite ou viajar. Morando sozinha e tendo um cão com ansiedade por separação, tudo requer logística: ir ao mercado, passar na padaria, receber gente em casa, absolutamente tudo. Pra mim, ter a creche é ter rede de apoio, não um luxo. Em paralelo, fazemos aulas semanais de adestramento para contornar e amenizar os sintomas de desconforto dele”, explica.
Hoje, ela consegue se ausentar por pouco tempo de casa e deixar Croquete sozinho, mas ainda assim conta com uma câmera de segurança.
“Já consigo sair por meia hora sem que ele vocalize, mas por ver as gravações da câmera de segurança, sei que ele fica parado em frente à porta de entrada aguardando meu retorno. Ou seja, ainda temos muito treino pela frente até que ele fique em paz com a solidão momentânea.”
Outro serviço que para ela faz muito sentido é o adestramento, que deixou de ser algo associado apenas a cães usados em trabalhos de segurança.
“Há alguns anos era coisa de cachorro que serviria à polícia, treinamento de canil, segurança, ataque, busca por substâncias específicas. Não havia essa noção disseminada de que o adestramento pode melhorar a qualidade de vida de famílias e cães, mesmo que não haja um caso a tratar. Acho que com o tempo o entendimento sobre os animais aumentou, as possibilidades de interagir e conviver também.”
Se ser mãe de pet significa algo mais do que ter um cachorro no quintal, Marina não vê problema em ser assim chamada. No fim das contas, o que importa mesmo é o que se vive no dia a dia com o animal.
“Ele leva meu dinheiro embora, acabou com a espontaneidade das minhas antigas programações e me deixa preocupada, mas nossa troca é incrível. E quanto mais eu conheço sobre adestramento positivo mais vou entendendo como as coisas acontecem na cabecinha dele e como deixar nossa rotina melhor. É um barato. Ele me dá carinho, faz companhia e permite que eu faça o mesmo por ele. Todos os dias acontece alguma coisa que me faz rir, e ele também me traz pro chão e me mantém mais responsável do que eu gostaria de ser.”
Rafaela e o marido comandam hospedagem domiciliar para pets em Ribeirão Preto (SP)
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‘Como se a gente estivesse cuidando dos filhos delas’
Rafaela Diab Contim Borges Ramalho, de 28 anos, não tem pets, mas vive diariamente essa rotina de cuidados com os animais das “mamães” que a procuram quando precisam. A advogada, que atua em home office, oferece dentro da própria casa, no bairro Ribeirânia, uma hospedagem domiciliar afetiva aos cães que não podem ficar sozinhos.
“A gente fala que o nosso maior presente aqui é ter a confiança das mamães de pet, é como se a gente estivesse cuidando dos filhos delas, é muita confiança, é a vida delas. A gente percebe muito na hora de falar tchau ali fora que é um sentimento mesmo maternal, de mãe e filho”, diz.
O local recebe em média 12 cães para o serviço diário de creche e hospeda até dez cachorros que precisam pernoitar. “É a nossa casa, mas a nossa função é eles se sentirem na casa deles.”
Acesso livre a cômodos, sofás e camas, cuidados para seguir à risca alimentação, brincadeiras e hora de descanso de cada um dos bichinhos, além da supervisão de ao menos uma pessoa o tempo todo são garantias dos anfitriões para tranquilizar as clientes.
“Fazemos um pré encontro para avaliar o cachorrinho, se ele fica bem com os outros e com o ambiente, se ele se sente feliz e à vontade, mandando fotos e vídeos com feedback para os tutores, assim conseguimos assegurar às mamães que eles vão ficar bem”, explica.
‘Animais sentem amor por seus donos’
Diante de tanto amor, é difícil saber até que ponto essa relação de tutores com bichos é uma via de mão única. Mas quem trabalha com comportamento animal defende que os pets são sim capazes de desenvolver, ao modo deles, uma relação de afeto com suas famílias humanas.
Isso acontece não só pelos benefícios práticos que a convivência garente, como comida e um local seguro para se estabelecer, afirma a adestradora comportamentalista Lívia Borelli, de Ribeirão Preto.
“Muita gente pensa que os cães amam seus donos pela comida ou pelos agrados que recebem, mas essa relação vai muito além disso. O afeto não se resume em associar uma consequência. Os animais sentem amor por seus donos pelo simples fato de ficarem próximos, juntos, unidos”, diz.
Os sinais, de acordo com ela, podem ser percebidos diariamente, nas ações e gestos deles, de uma recepção calorosa na chegada ao lar a latidos, lambidas e a forma como interagem com brinquedos.
“Eles falam o tempo inteiro. É que a maioria das pessoas não foi ensinada a ler o que esses cachorros falam com o corpo o dia inteiro. Sabendo interpretar, a gente sabe quando esse cachorro está feliz, quando está com medo, quando está bravo, quando está assustado, quando ele está incomodado.”
E, se por um lado, para as mães a convivência pode trazer muita alegria dentro de casa, para os pets essa relação de afeto também pode ser muito benéfica, desde que praticada sem exageros.
A adestradora comportamentalista Lívia Borelli, de Ribeirão Preto (SP)
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“Os cães são animais fantásticos e muito observadores do ambiente e pessoas que os rodeiam. São capazes de desenvolver relações individuais e diferentes mesmo dentro da mesma família, por exemplo: com uma pessoa ele brinca mais, com outra ele busca mais carinho etc. Cães que são tratados como membros da família e dividem a rotina com os tutores tendem a se comunicarem melhor, se expressarem mais e desenvolver uma conexão de confiança e amor com a própria família humana.”
Segundo ela, não há problema em tratar seu cãozinho ou gato como um filho, mas é preciso respeitar as particularidades de cada animal – como o latido, a necessidade de cavar e roer objetos – e não humanizá-lo. “O ponto mais importante na resposta dessa pergunta é a gente enxergar o cachorro como um cachorro e não como uma criança, porque eles não são crianças”, exemplifica.
Isso significa encontrar um equilíbrio: ao mesmo tempo em que apartar o bicho do convívio da família não é positivo, por outro, o excesso de cuidados, como se evitar passeios na rua e aderir a determinados acessórios, como carrinhos de bebê e sapatinhos, também não.
“Quando optamos por ter um animal de estimação estamos abrindo as portas para um amor bonito, honesto, puro e que precisa ser cuidado, respeitado e principalmente aproveitado.”
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