Problemas de alfabetização e dependência por tecnologia são consequências dos anos vividos online


Série especial discute desafios do ensino depois da pandemia. Psicóloga analisa impactos na educação das crianças e como pais devem agir. A engenheira agrônoma Paula Notini Lobato com o filho, Joaquim Lobato, de 7 anos
Reprodução/EPTV
Joaquim tinha só 4 anos quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia de coronavírus em março de 2020 e estava prestes a começar a aprender a ler.
De repente, a sala de aula cheia de colegas virou um cômodo da casa da família em Ribeirão Preto (SP), com a mãe, a engenheira agrônoma Paula Notini Lobato, em frente ao computador. A mudança não foi fácil.
Pouco antes da pandemia, o menino foi diagnosticado com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e o quadro dificultou bastante o ensino à distância.
“Na hora que ele olhava o computador e via que ia ter uma aula, às vezes, o primeiro exercício saía. Mas enquanto tinha que esperar as outras crianças terminarem pra poder passar outra coisa, ele não tinha paciência nenhuma e já desligava o computador: não queria saber da aula mais”, lembra a mãe.
Esta semana, a EPTV, afiliada da TV Globo no interior de São Paulo, faz uma série de reportagens que tratam dos desafios no ambiente escolar após a pandemia.
Na quinta-feira (25), a segunda edição do fórum “Diálogos da Educação” debate principalmente as condições socioemocionais de professores e alunos.
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Para Paula, o retorno do filho às salas de aula presenciais foi um alívio, pois os dois anos de isolamento social afetaram bastante o desenvolvimento do menino que, agora está com 7 anos.
“Quando ele voltou para a escola e teve uma interação com outras crianças e com as professoras novamente, foi muito importante para a socialização do Joaquim”.
Joaquim Lobato, de 7 anos, aprendeu a ler e a escrever na pandemia
Reprodução/EPTV
Agora, Joaquim já aprendeu a ler e até ajuda a mãe nas histórias antes de dormir. É que durante a pandemia, os pais contrataram uma professora particular para dar aulas presenciais para ele uma vez por semana. O contato e o afeto foram essenciais no processo de aprendizagem.
“Chegava lá, ela picava um tomatinho cereja, que ele ama, colocava um solzinho e dava aula para ele. [Tenho] muita gratidão por isso”, diz Paula.
Para ela, foi essencial contar com a ajuda da professora particular para educar o menino.
“A gente não tem essa capacidade de ensinar igual aos professores”, afirma Paula.
Cartazes com sílabas ajudam na alfabetização de crianças
Reprodução/EPTV
Problemas de alfabetização
A psicóloga Denise Dias considera que a pandemia foi desastrosa para crianças que, como Joaquim, estavam prestes a aprender a ler e a escrever.
A falta de contato presencial com o professor, que é a figura capacitada para alfabetizar, diz ela, foi o principal motivo.
“A alfabetização demanda de concentração da professora estar ali com a criança, o papel, o lápis, a caneta, fazer a correção, pra criança como que B com A vira ‘BA’. Ela entende quando a criança escreveu errado, só que é um errado que está certo para o processo da alfabetização”.
Denise explica que há erros no processo de alfabetização que são considerados comuns e que indicam que a criança está indo no caminho certo.
Um deles é o espelhamento, quando o aluno escreve as letras do lado contrário. Quando isso acontece dentro da sala de aula, os professores sabem lidar.
“O pai, em casa, não. Ele surta. ‘Está errado a letra, não é assim, olha aqui, o papai escreveu assim’. Na pandemia, isso aconteceu, lógico, e então era uma carga de cobrança e estresse a mais em cima da criança, sendo que era um erro natural, normal do processo de alfabetização”.
Se existe a possibilidade de que os filhos tenham se sentido cobrados em excesso para os pais, isso é uma certeza.
“Eles se sentiam impotentes para ajudar os filhos na alfabetização, falavam ‘eu não sou professor, eu não consigo ensinar o meu filho e eu tenho uma reunião online, almoço pra fazer e roupa pra passar’. É uma carga de estresse muito grande”, diz Denise.
Professora em sala de aula com crianças após a pandemia
Reprodução/EPTV
Sentimento de abandono
Denise conta que, apesar de parecer contraditório, justamente no momento em que os pais estavam confinados em casa junto aos filhos, as crianças possam ter se sentido abandonadas.
Mas é que apesar de estarem juntos, os pais nem sempre estavam disponíveis. Além disso, é como se as casas tivessem encolhido.
Paula Notini ajuda o filho Joaquim Lobato com o dever de casa em Ribeirão Preto, SP
Reprodução/EPTV
“Assim como os pais, os filhos também são os donos das casa. De repente vem a pandemia, o mundo é obrigado a ficar dentro de casa e os pais tem que trabalhar de alguma forma. Precisam de mais silêncio, de mais concentração, de criança que não interrompe a reunião de trabalho, seja o pai um funcionário ou o chefe. E aquela criança se vê isolado dos seus pais no ambiente que é dela”.
Por mais que os pais tenham tentado explicar os motivos para seus filhos, a psicóloga afirma que as crianças não têm amadurecimento cerebral para compreender a situação. É como se ficasse uma lacuna na cabeça das crianças.
“Estou na minha casa, com os meus pais, mas não estou com os meus pais. A casa é minha, mas eles estão fazendo de uma forma que eu não tenho a mesma liberdade”.
Dependência da tecnologia
Embora alguns pais tenham resistência a deixar os filhos expostos às telas, na pandemia, não teve jeito: o mundo inteiro ficou online.
Agora que as coisas estão voltando a ser o que eram antes, é preciso ter cautela para lidar com essa dependência tecnológica, que só aumentou.
Para Denise, as consequências sociais disso já saíram do online: casos de ataques em escola, depressão, suicídio, isolamento e pedofilia são exemplos desse descontrole do que as crianças fazem em redes sociais.
Sala de aula vazia por causa da pandemia de Covid-19
Reprodução/EPTV
Os pais tem a missão de resgatar os filhos de um mergulho tão profundo na tecnologia. Mas, para isso, é preciso se dedicar e participar da vida das crianças.
“Os pais têm que fazer o que a tecnologia faz. Brincar com o filho. Ler um livro com o filho. Jogar com o filho. Mesmo se for o filho com o controle remoto, jogando videogame, e o pai jogando junto. Já tem o vínculo, ele não está jogando com dez estranhos online”, afirma.
A psicológa Denise Dias explica impactos da pandemia nas crianças e como pais devem agir
Reprodução/EPTV
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