Em cinco anos, 177 pessoas trans alteram nome e gênero nos cartórios de Ribeirão Preto e Franca


Medida que autoriza a mudança sem ordem judicial foi instaurada em 2018 e é válida para qualquer pessoa maior de 18 anos. Bandeira trans
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Entre 2018 e 2023, 177 pessoas trans alteraram seus nomes e gênero nos cartórios de Ribeirão Preto (SP) e Franca (SP). Os dados são da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP).
Neste ano, faz cinco anos que a Corregedoria Nacional da Justiça autorizou os cartórios de todo o país a realizar a mudança de nome e gênero nos documentos sem a necessidade de ação judicial. A medida é válida para qualquer pessoa maior de 18 anos.
O sentimento de conquista é compartilhado também pelos funcionários dos cartórios.
“Quando essa pessoa recebe a certidão nova, é uma conquista. Eu acho que é um divisor de águas pra ela, eu fico realizada quando acontece, porque a pessoa pode ter e exercer a cidadania dela”, diz Eliana Marconi, diretora da Arpen-SP.
Nesta quarta-feira (28) é celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+. A sigla, que nasceu menor (LGBT), foi expandida para incluir, além de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, pessoas queer, intersexuais, assexuais, pansexuais e não-binaries.
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A data escolhida é uma homenagem ao Stonewall Inn, quando frequentadores do clube gay privado em Nova York se revoltaram contra as constantes humilhações impostas pela polícia da época e fizeram um motim em 28 de junho de 1969.
Décadas mais tarde, resistir ainda é muito necessário. A fisioterapeuta dermatofuncional Alexya Joy, de 29 anos, moradora de Franca (SP), sabe disso.
“Tem muitas meninas trans que não saem, não convivem em sociedade. Eu faço questão de ir no Centro, pago conta, faço academia, faço curso. Pras pessoas verem que nós, mulheres trans, existimos além das esquinas”, diz.
Carteira nacional de identidade no modelo definido em 2022, com ‘nome social’ e ‘sexo’
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Mais do que um nome
Faz três anos que a fisioterapeuta dermatofuncional Alexya se reconhece como uma mulher trans. E toda vez que ouve seu verdadeiro nome e é tratada no feminino, como deve ser, um sentimento de gratidão inunda sua alma.
“Eu me sinto realizada de ser reconhecida. Não que a gente tenha que ser reconhecida pelas outras pessoas, mas é uma gratidão pra gente, por toda a luta”, diz a fisioterapeuta dermatofuncional.
No RG, já consta o seu nome social, mas ainda aparece no verso o nome de nascença. Infelizmente, não são todos que entendem que aquele é um nome morto e enterrado.
O próximo passo é alterar a certidão de nascimento, processo facilitado pela decisão da Corregedoria há cinco anos. “Hoje em dia, com certeza, abriu muitas portas para nós”, afirma.
Alexya conta que foram anos relutando contra o seu próprio interior até se auto reconhecer como uma mulher trans e procurar fazer a transição de gênero. Desde então, ela não aceita mais ser desrespeitada. Este, entre outros motivos, a fizeram parar de frequentar um estúdio de dança.
“Eu pedi que começassem a me tratar no feminino e aí eu recebi um ‘me poupe’. Aí eu já vi que ali eu não me cabia, então eu prefiro me retirar do que me diminuir pra caber em um lugar”, afirma.
A transição trouxe uma espécie de assertividade e empoderamento essenciais para a vida de uma mulher, duas características das quais Alexya não abre mão. “Eu comecei a ver o que era prioridade pra mim, o que me fazia bem, o que me valorizava”, revela.
Alexya cresceu em uma família amorosa mas, ainda sim, encontra algumas resistências para existir enquanto mulher trans dentro da família. Mas também vê o esforço dos familiares para reconhecê-la e tratá-la adequadamente, e isso renova as esperanças em uma sociedade menos preconceituosa.
Afinal, a avó, de 92 anos, já a presenteia com roupas femininas.
Certidão de nascimento, nome do pai, nome da mãe, registro civil, cartórios, reconhecimento paternidade
Divulgação/Anoreg-PR
Dados da região
Nas duas maiores cidades da região de Ribeirão Preto, o maior número de alterações ocorreu entre junho de 2018 e maio de 2019, ou seja, o primeiro ano da medida.
Houve queda na procura de 2019 a 2021, o que, segundo a Arpen-SP, pode estar relacionado ao isolamento social causado pela pandemia de Covid-19, e uma retomada a partir de junho de 2021 em Ribeirão Preto e junho de 2022 em Franca. Confira, abaixo, todos os dados.
Alterações feitas em cartórios de Ribeirão Preto, SP
Alterações feitas em cartórios de Franca, SP
Com o fim das restrições da pandemia de Covid-19, a expectativa é que mais pessoas procurem os serviços.
Dos pedidos de alteração feitos em Ribeirão Preto, a maioria, 79, foi requisitada por mulheres trans nestes cinco anos. Além dos 59 homens trans que pediram pela alteração, há ainda nove pessoas que alteraram seus nomes sem alterar o gênero.
Já em Franca, a maioria dos pedidos (23) foi feita por homens trans, em contrapartida a 21 alterações de nome e gênero requisitadas por mulheres trans. Todos alteraram tanto o nome quanto o gênero na certidão de nascimento.
Desde 2018, adequações de nome e gênero podem ser feitas diretamente em cartórios
Pedro Santana/EPTV
Como solicitar?
Para solicitar a mudança de nome e gênero, basta procurar o cartório mais próximo — não precisa ser o cartório onde a pessoa foi registrada — e declarar que não se identifica com o gênero que nasceu e manifestar que deseja alterar seu nome.
“Basta a declaração. Não precisa de cirurgia de redesignação sexual, não precisa estar em tratamento hormonal, nada disso”, diz Eliana, diretora da Arpen-SP.
Com isso, o processo, que antes exigia a contratação de um advogado e uma ordem judicial, foi bastante facilitado.
“Em cinco dias essa pessoa já está com a sua nova certidão, com o novo nome com o qual ela se identifica”, esclarece a diretora.
Outro ponto a ser ressaltado é que a alteração é sigilosa, ou seja, não consta na nova certidão nada sobre a mudança de nome e sexo.
177 pessoas alteraram nome e gênero nos cartórios de Ribeirão Preto e Franca de 2018 a 2023, diz Arpen-SP
SSPDS/ Divulgação
Quais documentos levar?
Para conseguir fazer a alteração, é necessário levar documentos pessoais como CPF, documentos de identidade, passaporte (se tiver), título de eleitor e, caso a pessoa tenha nascido com o sexo masculino, certidão da Justiça Militar.
Além disso, é preciso também apresentar certidões de distribuições criminais e cíveis da Justiça Federal e Estadual e tabelionatos de processo.
Essa etapa, no entanto, não visa impedir a alteração de nome e gênero, trata-se apenas de um passo necessário para formalizar a mudança em processos anteriores. “O registrador precisa comunicar aos órgãos que houve uma alteração de nome e sexo”, explica Eliana.
Arpen tem cartilha com orientações para mudança
Reprodução/ArpenBrasil
Quanto custa?
O custo do procedimento pode variar um pouco conforme a região, mas em Guaíra (SP), onde Eliana atua, é de R$ 174,39.
Sem dúvidas, é um custo muito menor em relação às despesas processuais necessárias de cinco anos atrás. Ainda sim, o valor pode ser salgado para pessoas trans.
Uma pesquisa realizada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) em 2020, somente 13,9% de mulheres trans e travestis possuem empregos formais no mercado de trabalho. Já os homens trans são 59,4%
Por isso, a ONG Arco-Íris, voltada para acolher pessoas LGBT em Franca, tem um núcleo especial para atender essa parcela da comunidade. Atualmente, são 45 homens e mulheres trans em situação de vulnerabilidade social que buscam conseguir o direito da retificação de nome e gênero.
“Embora hoje em dia seja um serviço mais acessível, essa população enfrenta muita dificuldade no cartório”, explica o presidente da sociedade civil Eduardo Valentino. “A ONG, por não ter recursos financeiros, não consegue arcar com essas despesas, o que dificulta muito essa população ser integrada na sociedade, no mercado de trabalho, mesmo com qualificação profissional”, explica.
Ainda sim, o trabalho é fundamental para acolher e orientar toda a população LGBTQIAPN+ da região de Ribeirão Preto (SP). Segundo Valentino, já foram mais de 17 mil famílias em situação de vulnerabilidade social que foram auxiliadas pela ONG Arco-Íris.
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E se a pessoa se arrepender?
Caso a pessoa se arrependa e queira voltar a ter o nome e o gênero com que nasceu, o processo é mais burocrático. Segundo a diretora da Arpen-SP, neste caso, será necessário entrar com um processo para conseguir uma decisão judicial para reverter a troca.
Isso, no entanto, é uma situação hipotética. Eliana conta que nunca presenciou um caso do tipo e duvida que aconteça futuramente.
“É importante dizer que essa pessoa já levou muitos ‘nãos’. Então, quando ela comparece no cartório, ela quer mesmo ter um documento que espelha o que ela é, como ela se identifica”, afirma.
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