‘Não há dinheiro que pague a dor dessas vítimas’, diz promotor sobre indenizar pacientes cegos após cirurgias de catarata em SP


Segundo Ministério Público, estado deve reparar o grupo de 12 pessoas que tiveram graves lesões nos olhos após mutirão em Taquaritinga. Governo de SP diz que vai apresentar propostas nos próximos dias. MP quer descobrir quem são os responsáveis pelos erros nas cirurgias de catarata
O promotor de Justiça Ilo Wilson Marinho Gonçalves Júnior, que apura o caso dos 12 pacientes que ficaram cegos ou com a visão parcialmente comprometida após um mutirão de cirurgia de catarata em Taquaritinga (SP), afirma que as vítimas devem ser indenizadas. Segundo Ilo Júnior, o ressarcimento financeiro tem caráter mais educativo do que reparador, em razão da gravidade do problema.
“Não tivemos qualidade [no serviço], não tivemos responsabilidade e, em razão disso, sanções ocorrerão em relação a quem quer que tenha que responder. Nesse sentido, não há dinheiro no mundo que pague a dor que essas vítimas estão sofrendo, mas elas precisam ser indenizadas. Elas serão com certeza indenizadas”, diz.
A Secretaria Estadual da Saúde informou nesta quinta-feira (13) que deve apresentar nos próximos dias uma proposta de indenização administrativa aos pacientes. O processo é conduzido pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) e pela Defensoria Pública do Estado.
Pelos menos quatro pacientes já moveram ações por danos morais, estéticos e patrimoniais.
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O pintor Carlos Augusto Rinaldi perdeu a visão do olho esquerdo após passar por cirurgia de catarata no AME de Taquaritinga, SP
Valdinei Malaguti/EPTV
Ilo Júnior está à frente do inquérito instaurado pelo Ministério Publico (MP) e pediu a abertura de investigação na Polícia Civil. A Promotoria já solicitou documentos ao Ambulatório Médico de Especialidades (AME), onde as cirurgias aconteceram em outubro de 2024.
Listas com os nomes da equipe que atuou nos procedimentos, protocolos e a conclusão da sindicância aberta pelo Grupo Santa Casa de Franca (SP), organização social de saúde contratada pelo governo de SP para administrar o AME.
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Troca de soro por antisséptico
Na última terça-feira (11), Grupo Santa Casa divulgou nota admitindo um erro no protocolo das operações realizadas. Ao invés do uso de soro, para fechar a cirurgia, a equipe aplicou uma substância chamada clorexidina, que é usada na assepsia da pele e não pode ter contato com a parte interna dos olhos por causa de sua toxicidade.
“Esse erro foi absolutamente injustificável. É por isso que nós precisamos individualizar as responsabilidades, tentar identificar porque houve esse erro então patente no manuseio equivocado dessas substâncias. Aí, sim, tomar medidas que possam permitir que novos protocolos ou novas ações de segurança pré-cirúrgicas possam evitar que esses erros sejam novamente cometidos”, diz o promotor.
A salgadeira Maria de Fátima Garcia Chiari ficou cega do olho direito após passar por cirurgia de catarata no AME de Taquaritinga, SP
Valdinei Malaguti/EPTV
A Secretaria de Saúde de Taquaritinga já havia informado anteriormente que uma vistoria das vigilâncias sanitárias estadual e municipal identificou irregularidades na sala de esterilização de materiais no AME. A área foi interditada.
“Houve uma quebra inequívoca da relação de confiança que tem que existir entre a sociedade e o estado, prestador de um serviço público, ainda mais tão sensível como é da área médica”, diz Ilo Júnior.
No âmbito criminal, a Polícia Civil trabalha com a hipótese da prática de lesão corporal gravíssima, e as condutas serão individualizadas. Outros elementos serão colhidos ao longo do inquérito, assim como os depoimentos da equipe envolvida nos procedimentos.
“Não há dúvidas que há uma fragmentação, uma divisão de tarefas em qualquer procedimento cirúrgico e daí a carga de responsabilidade de cada um deles. Por isso é importante ouvir essas pessoas que participaram da cirurgia e também escutar a versão das mesmas com relação a tudo como é feito, quem não observou o protocolo, como é estabelecido esse protocolo, qual o regime de responsabilidade em cada etapa desse protocolo”, afirma Ilo Júnior.
Benedito Donizete Lavezzo perdeu parte da visão do olho direito após cirurgia de catarata no AME de Taquaritinga, SP
Valdinei Malaguti/EPTV
Transplante
Desde segunda-feira (10), os 12 pacientes lesados passaram a ser acompanhados por uma comissão exclusiva no Hospital das Clínicas (HC) de Ribeirão Preto, instituição referência no estado de São Paulo.
Oftalmologista chefe da divisão de transplantes, André Messias diz que eles passaram por exames para determinar quais estruturas oculares estavam comprometidas.
“O principal acometimento é o da córnea, ela perdeu a camada que faz a nutrição do tecido e começa a perder a transparência. Além disso, houve uma reação inflamatória intraocular, há uma aderência entre a íris e a córnea. A luz só passa por objetos transparentes, se não houver transparência, há uma barreira para passagem da luz, e a córnea sem transparência não permite que a luz entre no olho para que seja montada a imagem, por isso eles não estão enxergando”, explica.
Cirurgia de catarata consiste em remover o cristalino opaco na parte interna do olho para implantar uma lente artificial e restabelecer a visão
Aurélio Sal/EPTV
Os pacientes com indicação de transplante de córnea têm uma chance de recuperar a visão, mas aqueles em que os danos foram mais severos, o caminho são procedimentos que resultam na melhora do conforto ocular, porém ser reversão, afirma Messias.
“São cirurgias de alta dificuldade, com complexidade, e a gente não sabe determinar a taxa de prognostico. São casos isolados, a gente não opera todo dia, então nós acreditamos que há uma chance de melhora para aqueles que têm indicação de cirurgia”, diz o especialista.
Segundo a Secretaria Estadual da Saúde, todos estão na fila do transplante de córnea, sendo que uma delas, a salgadeira Maria de Fátima Chiari, já recebeu um novo órgão porque corria o risco de perder o globo ocular.
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