O que é a desregionalização da saúde e como ela afeta atendimentos na Região Metropolitana de Ribeirão Preto


Ribeirão concentra mais da metade das 5.412 unidades de saúde do DRS-XIII. Ex-presidente da Anvisa aborda falhas na saúde pública e propõe soluções. Unidade de emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto
Jefferson Neves/EPTV
Precisar se deslocar por grandes distâncias para conseguir algum tipo de atendimento médico, seja ele especializado ou até mesmo de urgência, é a realidade para muitos moradores da Região Metropolitana de Ribeirão Preto (SP).
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Dados do DataSUS, do Ministério da Saúde, levantados pelo g1 apontam que grande parte dos serviços ofertados se concentra apenas em Ribeirão, cidade que, nos anos 80, ganhou o apelido de “Califórnia Brasileira”, em uma comparação com o estado norte-americano.
De acordo com o levantamento, dentre as 26 cidades que compõem o Departamento Regional de Saúde de Ribeirão Preto (DRS-XIII), há 5.412 unidades de saúde. Destas, mais da metade, 3.042, está concentrada somente em Ribeirão, o que retrata uma espécie de desregionalização dos atendimentos.
Além disso, ao menos quatro cidades, Altinópolis (SP), Barrinha (SP), Brodowski (SP) e Dumont (SP), não contam com Centros de Atenção Psicossocial (Caps), sendo que a última, inclusive, não possui nenhuma clínica ou centro de especialidade, ainda segundo o DataSUS. Já Barrinha não conta com hospital geral.
O médico sanitarista Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), reconheceu que a saúde pública não só da região, mas no país como um todo, é falha no sentido de as pessoas terem que se deslocar por grandes distâncias para buscar atendimento.
“Temos um sistema de agendamento e de deslocamento de pessoas que é, realmente, muito ruim, muito ruim. Faltam consultas, daí você tem filas que nunca acabam, e melhor distribuição dessas consultas e exames mais especiais, para que as pessoas que estão nos municípios menores tenham uma solução, que nem sempre é a mais adequada, porque têm que sair da cidade, mas que se respeite o tempo e a necessidade clínica de um diagnóstico”, diz.
Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Anvisa
GloboNews
Esta reportagem faz parte do especial “Desafios da Metrópole”, série do g1 que mostra os potenciais e os dilemas da região de Ribeirão Preto (SP) nas áreas da inovação, saúde, segurança pública, mobilidade e economia.
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Quais são os gargalos?
Com Ribeirão Preto no centro da busca pelos atendimentos, inevitavelmente, o Hospital das Clínicas (HC) acaba recebendo a maior concentração dos pacientes, uma vez é considerado referência em diversos tipos de procedimentos.
Superintendente do HC, Ricardo de Carvalho Cavalli estima que o índice de pacientes de outras cidades atendidos na unidade chega a 20%, o que faz com que a demanda aumente.
“Acaba aumentando a pressão por vagas no sistema, porque essas vagas, eles [pacientes] vão primeiro no posto de saúde em endereço de Ribeirão Preto, daí ele tem uma demanda para o tratamento especializado no Hospital das Cínicas, que é referência terciária e quaternária para a região”, cita.
Cavalli aponta que as áreas especializadas são as que possuem o maior gargalo.
“A área de ortopedia é muito pouco resolutiva, então tem percentual mais alto. Áreas especializadas têm mais percentual. Quanto menor a quantidade de oferta dessas especialidades nas cidades de origem, maior passa a ser a demanda aqui [no HC].”
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Aurélio Sal/EPTV
O que precisa ser feito?
Vecina ressalta que, dificilmente, um tipo de atendimento mais específico estará disponível em cidades menores, com menos de cinco mil habitantes, por exemplo. No entanto, ele reforçou a necessidade de que especialidades consideradas importantes sejam oferecidas em municípios próximos.
“Uma coisa é precisar de cardiologista, uma especialidade que precisa bastante. Outra coisa é precisar de um imunologista infantil, que é bem mais raro. Esse cara que vai precisar do imunologista, provavelmente, vai ter que sempre se deslocar para o HC. Agora, o cardiologista, pode ser que a gente consiga fazer um arranjo em que mais próximo da cidade dele tenha um ambulatório de especialidades. Não vai ter na cidadezinha dele, mas vai ter em uma cidade vizinha.”
Como soluções mais práticas, o médico sanitarista pede para que gestores municipais de saúde se reúnam com o estado para traçar um planejamento com estratégias que mitiguem o problema. Uma das estratégias que poderiam dar resultado, na visão dele, seria a ampliação da telemedicina.
“Uma solução parcial para tudo isso é a telemedicina. Muitas consultas podem ser feitas através da telemedicina. Tem coisas que o médico precisa ver, tem outras que um médico à distância pode ou fazer uma consulta para o médico que está em dúvida […] ou fazer direto a consulta médica para o paciente. A telemedicina é um instrumento poderoso que pode ser utilizado para isso”, destaca.
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O que está sendo feito?
Se a desregionalização é o problema, o antídoto precisa ser a regionalização. E é nisso que o Governo de São Paulo aposta para otimizar os atendimentos de saúde, pontua o superintendente do HC.
Segundo ele, esse processo já está em andamento, com o intuito de mapear áreas deficitárias na região e, assim, ofertar os serviços médicos nesses locais, diminuindo a necessidade de locomoção para outros centros.
“É um grupo de regionalização da Secretaria Estadual da Saúde, que tem feito um trabalho de diagnóstico situacional de cada região, quais especialidades não existem nessas regiões e estar promovendo e estimulando para que haja a abertura desses serviços com prestadores locais, para sanar a locomoção dos pacientes para centros especializados”, conclui.
Ricardo Carvalho Cavalli, superintendente do HC Ribeirão Preto
Divulgação/HC Ribeirão Preto
Quem vive essa dificuldade?
Quem sentiu na pele a dificuldade para conseguir atendimento especializado foi a pespontadeira Edna Conceição da Silva Andrade, de 53 anos. Ela ficou conhecida depois de se tornar a 600ª paciente a passar por um transplante de fígado no HC de Ribeirão Preto, em setembro de 2023.
Diagnosticada com cirrose hepática, ela conta que, durante pouco mais de um ano, precisava viajar até Ribeirão, uma vez por semana, para ser submetida à paracentese, procedimento para drenar o líquido que acumulava no abdômen, enquanto o transplante não chegava.
“Contei com a ajuda de familiares, do meu esposo, das minhas filhas, dos meus cunhados, que sempre me ajudaram nas minhas viagens. É muito difícil você ter que abastecer um carro, pagar quatro pedágios para se deslocar. Fiquei de 2021 a 2022 fazendo esse processo”, disse ao g1 no último dia 18 de dezembro.
Durante esse período, os médicos constataram, ainda, que a paciente tinha apenas 25% de um dos rins funcionando. Por conta disso, foi verificada a necessidade de ela ser submetida a um transplante duplo, ou seja, de fígado e rim.
Deu tudo certo, e agora ela celebra a oportunidade de ter uma vida repaginada.
“Hoje estou na minha casa, muito bem, minha saúde está boa. Vou ao hospital a cada dois, três meses, estou fazendo meu acompanhamento, meu rim está ótimo, meu fígado está muito bem”, completa.
Edna Andrade (à esquerda) e a filha Verônica Andrade caminham pelo Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, SP
Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto
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