‘Pele de borboleta’: estudante de Barrinha, SP, conta como convive com epidermólise bolhosa


Doença genética rara fragiliza a pele, favorecendo feridas e bolhas ao menor atrito. Mailson Ferreira Silva, de 20 anos, nasceu com a condição, mas diz que ela não o impede de ter uma vida praticamente normal. Mailson não deixa a doença atrapalhar seus planos
Arquivo pessoal
Brincadeiras como pique-pega, pique-esconde e jogar futebol com uma turma de amigos na rua não fizeram parte da infância do estudante de direito Mailson Ferreira Silva, de 20 anos, morador de Barrinha (SP).
Mailson nasceu com epidermólise bolhosa (EB), doença rara que pode ser hereditária ou adquirida ao longo da vida já que é autoimune. Recentemente, o assunto veio à tona com o caso do menino Guilherme Gandra Moura, no Rio de Janeiro (RJ). O vídeo do encontro dele com a mãe no hospital após sair do coma viralizou e comoveu o país.
No caso de Mailson, apesar das dificuldades, ele sempre encarou o problema e se adaptou.
“As pessoas me olham com um olhar de espanto, algumas acabam perguntando o que eu tenho ou o que aconteceu comigo. Eu explico e acabamos desenvolvendo uma conversa a partir disso”, conta.
A doença, que não é contagiosa, também é conhecida como ‘pele de borboleta’ porque se assemelha às asas do inseto em razão da fragilidade. Não existem estatísticas precisas do número de casos no Brasil. Em todo o mundo, estima-se que sejam cerca de 500 mil pessoas.
De acordo com a dermatologista Helena Barbosa Lugão, membro das sociedades brasileiras de dermatologia e de hansenologia, a epidermólise bolhosa fragiliza a pele, fazendo com que surjam feridas e bolhas ao menor atrito.
“Em comum, todos os tipos de EB apresentam prejuízo da produção ou na função de proteínas responsáveis pela resistência da pele. Sem essas proteínas, as camadas da pele se separam muito facilmente, sob qualquer pressão ou atrito”, explica a dermatologista.
Preconceito
Por conta da aparência da pele e de algumas deformidades, Mailson já vivenciou várias situações desconfortáveis.
“Algumas crianças ficavam com receio de se aproximar, mas minha mãe sempre explicava o que eu tinha e, na maioria das vezes, elas compreendiam e até socializavam comigo”, diz.
Mesmo depois de adulto, o estudante ainda sofre preconceito. Muitas vezes, as pessoas não se aproximam por medo da doença ser contagiosa.
“O mais recente foi em um hospital onde a pessoa que normalmente faz a triagem não queria se aproximar e acabou pedindo para uma outra pessoa do hospital fazer. Fiquei meio surpreso até por conta de que era alguém que trabalhava no hospital, mas, enfim, essas são as formas mais comuns de preconceito que sofri”, afirma.
Seja por falta de informação ou por medo de contrair a doença, o preconceito nunca impediu Mailson de seguir em frente e levar uma vida praticamente normal. Em casa, foram feitas adaptações, mas a maior dificuldade está nos desafios da rua.
“Como nos locomovemos de forma mais lenta, tem alguns momentos em que não acompanhamos o movimento das cidades. Transporte público é desconfortável, é um ambiente muito quente em sua grande parte, vivem cheios”.
Mailson Ferreira Silva, de 20 anos, convive com a Epidermólise Bolhosa desde que nasceu
Arquivo Pessoal
O estudante admite que já deixou de fazer algumas coisas por precaução, mas nunca deixou a doença paralisá-lo e sempre correu atrás de seus sonhos.
“Hoje, eu já estou na metade do curso de direito e esse sempre foi um dos meus grandes sonhos. O próximo será tirar minha carta de motorista”, afirma.
Doença sem cura
De acordo com a dermatologista, existem mais de 30 tipos de epidermólise bolhosa hereditária, sendo a simples a forma mais comum.
Até o momento, não existe cura. Porém, diferentes pesquisas estão sendo realizadas com resultados muito animadores de terapias genéticas que, no futuro, poderão contribuir para o melhor controle.
O tratamento inclui diversas medidas medicamentosas e deve ser multiprofissional, ou seja, deve envolver diferentes profissionais de saúde, incluindo dermatologistas, pediatras, geneticistas, otorrinolaringologistas, oftalmologistas, dentistas, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e fonoaudiólogos, de acordo com cada caso.
O principal cuidado é evitar os traumas e atritos de forma a prevenir a formação de bolhas. Além disso, existem diversos curativos com medicamentos e substâncias que ajudam na cicatrização das lesões na pele e nas mucosas.
“As pessoas com EB também têm que ter especial atenção para uma nutrição adequada, já que a cicatrização das lesões consome muita energia e nutrientes do corpo”, afirma Helena.
Pele e mucosas afetadas
As lesões podem ocorrer na pele (externas) e nas mucosas (internas), que são o tecido de revestimento interno que recobre as cavidades úmidas do corpo, como boca (gengiva), estômago, intestino e região íntima.
Podem ocorrer infecções bacterianas, por isso são importantes os cuidados com higiene e o uso de curativos adequados.
“Infecções de lesões de pele, quando não tratadas adequadamente, podem desencadear infecções sistêmicas, que são aquelas que acometem todo o organismo. Algumas infecções sistêmicas podem ser graves e necessitar de internação hospitalar e antibióticos endovenosos”, explica a dermatologista.
Diagnóstico e prevenção
Ainda não existem formas de prevenção da epidermólise bolhosa hereditária ou adquirida.
Há exames durante o pré-natal que geralmente são indicados nos casos onde há um histórico familiar da doença. Neste caso, são indicadas a biópsia de vilo corial e a análise de DNA da pele fetal.
É importante que os pacientes tenham acompanhamento com nutricionistas para receberem a orientação adequada de alimentação, já que necessitam de uma dieta com quantidades elevadas de proteínas e nutrientes.
Pacientes com os tipos mais graves podem ter dificuldade para engolir e ter restrição a alimentos sólidos e duros devido às lesões na mucosa da boca e do esôfago.
O calor excessivo pode aumentar a formação das bolhas e erosões, sendo indicado que as pessoas permaneçam em ambientes frescos e arejados.
Voluntários do Grupo de Apoio
Arquivo pessoal
Rede de apoio
Em Ribeirão Preto, desde 2016 funciona o Grupo de Apoio à Epidermólise Bolhosa (GAEB), fundado pela empresária e presidente do grupo, Silvana Florense. Após assistir uma audiência pública sobre o assunto, ela convidou algumas amigas para começar a trabalhar em prol da causa.
Foi através do GAEB que Mailson conseguiu conquistar a tão sonhada vaga na faculdade. Atualmente, o grupo tem uma equipe multidisciplinar que auxilia os pacientes e seus familiares.
“Não recebemos ajuda do poder público e nem fazemos parte de ONGs ou associações. Fazemos eventos e temos alguns associados que contribuem mensalmente”, comenta Silvana.
O grupo atende pacientes de toda a região não só com a doença, mas também outros tipos de genodermatoses. Os projetos envolvem atendimento com equipe interdisciplinar, avaliação, orientação e auxílio na alimentação do paciente e dos familiares e capacitação e inclusão social.
“Fazemos visitas domiciliares para escutar e ajudar na necessidade de cada paciente. Na maioria dos casos o paciente e o familiar é que se capacitam para ter os cuidados necessários”, afirma.
Para o próximo ano, o grupo deve mudar o foco de trabalho atuando mais na área científica do que no assistencialismo.
“Já estamos programando um simpósio para o ano que vem para chamar a atenção da comunidade científica. Precisamos de mais estudo nessa área, pois existem muitos diagnósticos errados por falta de conhecimento. Precisamos que as gerações futuras tenham mais conhecimento para que os tratamentos sejam mais precisos”.
Mesmo com tantos cuidados e limitações, Mailson afirma que é possível ter uma vida o mais próximo possível do normal.
“Tente sempre ser melhor cada dia mais. Todos temos dificuldades na vida, uns mais do que outros. Contudo, não deixe que isso afete 100% da sua vida. Tenha foco, determinação e fé que tudo vai dar certo”.
O trabalho do GAEB pode ser acompanhado pelo perfil @gaebrp no Instagram.
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