Quartel em escola, doação de ouro, voluntários: como era viver no interior de SP na Revolução de 1932


Há 91 anos, paulistas enfrentavam tropas de Getúlio Vargas por criação de nova Constituição. Equipamentos, relatos e locais mantêm vivas memórias daquele período em Ribeirão Preto. Revolução de 1932 completa 91 anos de história no domingo (9)
Brasileiros contra brasileiros, uma guerra civil sangrenta, com baionetas, metralhadoras, aviões e bombardeios que terminou com a morte de centenas de homens.
A Revolução Constitucionalista de 1932 completa 91 anos neste 9 de julho com memórias permanentes na história de Ribeirão Preto (SP).
À esquerda, de cima para baixo: Historiadores Alexandre Sumele e Nainôra Freitas. Abaixo e ao centro, monumentos em homenagem à Revolução de 1932 em Ribeirão Preto
Aurélio Sal/EPTV
Estratégica pela relativa proximidade com as fronteiras de Minas Gerais, a cidade do interior de São Paulo se tornou referência na reunião de voluntários, mas sentiria os efeitos do conflito de outras formas, como no fechamento de escolas, transformadas em quartéis, e no apoio civil, inclusive com doações de jóias e mantimentos aos combatentes que lutavam contra as tropas de Getúlio Vargas, no comando do país após um golpe de estado.
Nos tópicos a seguir, você vai entender um pouco mais de como esse evento histórico marcou vidas e ainda se faz presente em documentos, relatos e locais da cidade no interior de São Paulo.
Como começou a Revolução de 1932
Ribeirão Preto e a Revolução de 1932
Escolas transformadas em quartéis
Doações de armas e ouro para a causa
Centro Pró-Constituinte: voluntários, notícias e mantimentos
Cozinha móvel, matraca: equipamentos do front
A rendição dos paulistas e o fim da guerra
Avenida Nove de Julho, Praça XV: símbolos da luta

1.Como começou a Revolução de 1932
As tensões entre São Paulo e o governo federal começaram antes do 9 de julho. Depois que Getúlio Vargas tomou o poder em 1930, foi formada na capital uma frente única de oposição.
Em 23 de maio de 1932, durante uma manifestação contra a ditadura instalada, quatro estudantes morreram assassinados: Mário Martins de Almeida, Euclides Bueno Miragaia, Dráusio Marcondes de Souza e Antonio Américo de Camargo Andrade. Os tiros teriam partido do alto dos prédios da Praça da República.
O episódio deu origem ao movimento revolucionário M.M.D.C, sigla baseada nos nomes dos jovens mortos, e que recrutava o povo de São Paulo a lutar por uma nova Constituição.
Cartaz do governo de SP em 1932 convocava os paulistas a lutarem contra as tropas de Getúlio Vargas no estado.
Reprodução
2.Ribeirão Preto e a Revolução de 1932
Em Ribeirão Preto, a sociedade começava a se organizar para a reação. No dia seguinte à tragédia em São Paulo, o Jornal A Cidade registrava a formação de uma grande massa na esplanada do Theatro Pedro II e um comício na Praça XV de Novembro, com discurso de autoridades pela liberdade de São Paulo.
“As cidades paulistas todas viveram o mesmo clima bastante intenso dos conflitos, mas é claro que nas regiões fronteiriças principalmente dos demais estados essas cidades ficaram mais evidentemente marcadas pelos conflitos”, afirma o historiador Rafael Cardoso.
Ao mesmo tempo, o então 3º Batalhão de Caçadores, hoje a Polícia Militar, se preparava para a guerra. Historiador e policial da reserva, Alexandre Sumele teve acesso aos diários dos oficiais da época. Os documentos estão hoje expostos na Companhia da Avenida Cavalheiro Paschoal Innechi e ajudaram a remontar o cotidiano dos campos de batalha.
“O comando ficava na capital e nós tínhamos as frações de tropa na região hoje que compreende as 93 cidades da nossa região. Quando da eclosão do movimento constitucionalista, o comando do batalhão veio para Ribeirão Preto, utilizou Ribeirão Preto como sede, que era mais próxima das linhas de Minas Gerais para defender a fronteira de São Paulo, se reuniram aqui todos os militares da região”, afirma Sumele.
Escola Estadual Fábio Barreto, em Ribeirão Preto
Aurélio Sal/EPTV
3.Escola transformada em quartel
A guerra mudou inclusive a rotina das crianças, quando as escolas fecharam suas portas e as salas de aula ficaram vazias. A atual Escola Estadual Fábio Barreto se tranformou em um novo quartel general das forças armadas. As tropas se reuniam ali e depois partiam para os confrontos.
Apesar das marcas do tempo, o prédio mantém suas características originais: piso de madeira, salas com portas largas e porão. De julho a outubro de 1932, os corredores e o pátio se transformaram em um centro de inteligência.
Isso porque o antigo destacamento que ficava na Rua Sete de Setembro, onde hoje fica a Delegacia Seccional, não comportava os 800 homens que chegaram das cidades da região, que faziam parte do batalhão.
Texto do Jornal A Cidade, em Ribeirão Preto (SP), pedia ajuda com armas e munições a combatentes na Revolução de 1932
Aurélio Sal/EPTV
4.Doações de armas e ouro para a causa
São Paulo tinha perdido o apoio de duas peças importantes: Minas Gerais e Rio de Janeiro. Os combatentes ficaram com recursos limitados e itens básicos, como armas e munições, eram restritos. Publicações da época mostram pedidos de doações da população para a causa paulista.
“Não tinha armamento suficiente. Tinham doações de armas de civis, fazendeiros que tinham rifles, que tinham outras armas, que doaram também, que foram para o front. Aí nós temos qual problema? A munição. Nós não tínhamos um padrão de armamento a ser utilizado no front, então a munição era escassa também”, diz o policial da reserva.
José Mango, avô do primeiro sargento da Polícia Militar Alexandre Teixeira, era mecânico em Altinópolis (SP) quando a Revolução começou. Ele foi como voluntário para Ribeirão Preto, de onde partiu para Itapira (SP), cidade próxima à divisa com Minas Gerais.
Aliança de latão, dada a moradora de Ribeirão Preto que doou aliança de ouro pelos combatentes da Revolução de 1932
Aurélio Sal/EPTV
“Ele falava que eles receberam dois carregadores, então seriam umas 12 munições pra enfrentar uma batalha. Inclusive ele falou que na batalha até chegou perto do final acabaram as munições dele e que ficaram esperando o que ia acontecer”, afirma Teixeira.
Outra campanha que circulava nos jornais da época pedia para que a população doasse ouro para a causa. Correntes, anéis, pulseiras. Foi o que fez a avó do desembargador Ricardo Braga Monte Serrat.
“Para as mulheres que doavam a sua aliança de ouro de casamento, eles como reconhecimento substituíam essa aliança por uma outra feita de latão. Minha vó, como doou o que ela tinha de ouro e a aliança de casamento, recebeu uma aliança que nós guardamos com muito carinho até hoje”, diz Monte Serrat.
Monumento na Câmara de Ribeirão Preto lembra luta dos paulistas que resultou na criação da Constituição de 1934
Aurélio Sal/EPTV
5.Centro Pró-Constituinte: voluntários, notícias e mantimentos
Para apoiar as causas revolucionárias, era em uma das atuais bibliotecas de Ribeirão Preto que a sociedade civil se reunia. Ali, ficava a antiga sede da Legião Brasileira, fundada pelo padre Euclides Carneiro.
“O objetivo da entidade era simples: ela reunia homens e eles tinham um propósito: a cultura, o civismo e o patriotismo”, afirma a historiadora Nainôra Freitas.
Sede da antiga Legião Brasileira, onde funcionou centro de informações dos combatentes da Revolução de 1932 em Ribeirão Preto (SP)
Aurélio Sal/EPTV
O casarão ficava na Rua Visconde de Inhaúma, mas o imóvel foi demolido e no lugar foi construído um prédio, onde hoje funciona a Biblioteca Padre Euclides. Na época, o salão principal da Legião Brasileira tinha espaço suficiente para reunir 1,2 mil pessoas.
Em 12 de julho, o Jornal A Cidade divulgava uma reunião feita naquele espaço, que resultou na criação do Centro Paulista Pró-Constituinte. Homens de destaque ficaram responsáveis pelo alistamento de voluntários e também por arrecadar donativos.
Cozinha móvel usada por soldados de Ribeirão Preto na Revolução de 1932
Aurélio Sal/EPTV
“Foi montado um hospital. Virou a sede dos escoteiros, era o depósito de alimentos. Então ela se transformou naquilo que nós chamamos de o foco central das discussões e de todas as notícias que chegavam e que eram reportadas para os soldados constitucionalistas”, diz Nainôra.
Mesmo não atuando no front, as mulheres foram importantes durante a Revolução. Na Legião Brasileira, elas montaram a Cruz Vermelha, onde atuavam como enfermeiras, cozinheiras e costureiras.
“Centenas de mulheres listadas participam inclusive dessas campanhas, setorizadas em bairros da cidade, que vão contribuir com a formação de um sentimento paulista contra o Estado”, diz o historiador Rafael Cardoso.
À medida que a guerra avançava, a Comissão Pró-Constituinte tomava decisões importantes. Um decreto proibia a saída de qualquer produto de primeira necessidade de Ribeirão Preto.
Com falta de munições, matraca era usada para confundir combatentes na Revolução de 1932
Aurélio Sal/EPTV
6.Cozinha móvel, matraca: equipamentos do front
Preservado no quartel da PM de Ribeirão Preto, uma cozinha móvel ajuda a recontar o dia a dia da guerra de 1932. O equipamento era puxado por animais e tinha panelas, forno e fogão à lenha, além de espaço para armazenar comida pronta.
Mas o que ajudou mesmo os paulistas a resistir contra o avanço de Getúlio Vargas era uma engenhoca barulhenta, usada para confundir o inimigo: a matraca.
“Com a falta de munição, eles falavam ‘nós precisamos conter o movimento. Então o serviço de engenharia eles desenvolveram esse equipamento que rodando simula uma metralhadora. Enquanto os militares davam um tiro cada um, eles iam atirando, rodavam a matraca. Parecia que a tropa do outro lado estava sendo metralhada”, afirma o historiador e policial da reserva Alexandre Sumele.
Medalhas prestam homenagem a combatentes da Revolução de 1932
Aurélio Sal/EPTV
7.A rendição dos paulistas e o fim da guerra
O avanço do exército de Vargas encurralou os paulistas e, em 2 de outubro, sem mantimentos e homens suficientes, São Paulo se rendeu e a guerra acabou, mas o sentimento não foi de derrota com a abertura da Assembleia Constituinte.
“Ao final do conflito São Paulo é obrigado a reconhecer a vitória bélica, militar da nação, da federação, e Getúlio Vargas, de maneira estratégica, coloca a Assembleia Nacional Constituinte em andamento. Ou seja, reconhece que a Constituição precisa ser escrita. São Paulo que era um estado contra a federação mudou a história do país”, afirma Rafael Cardoso.
Monumento na Praça XV de Novembro, em Ribeirão Preto, homenageia combatentes da Revolução de 1932
Aurélio Sal/EPTV
8.Avenida Nove de Julho, Praça XV: símbolos da luta
Depois que a nova Constituição foi assinada em 1934, Ribeirão Preto quis marcar de forma grandiosa na história sua participação na Revolução de 1932. Assim, com o ato número 60, de 25 de julho daquele ano, assinado pelo prefeito Ricardo Guimarães Sobrinho, a então chamada Avenida Independência passaria se chamar Avenida Nove de Julho.
A memória da Revolução também está marcada em outros lugares da cidade. Na Praça XV de Novembro, que foi palco de comícios e desfiles antes e depois de guerra, está a estátua de dez voluntários civis que morreram em combate, entre eles o veterinário Ayrton Roxo, de 23 anos, que cuidava dos animais das tropas, mas havia pedido para ser promovido a soldado e morreu em campo de batalha.
Na Câmara Municipal, está instalado o Memorial aos Militares do Batalhão de Caçadores, que tombaram em combate. O monumento com a bandeira, o capacete e a Constituição foi idealizado por Ricardo Monte Serrat.
“Quando eu idealizei a forma que teria esse monumento, eu resolvi que não poderia haver armas neles. O capacete, que eu pedi para colocar na posição em que se encontra, é um instrumento de defesa, de proteção. Então esse é o sentido. O movimento que surgiu para proteger a Constituinte prometida e proteger a democracia do Brasil.”
Avenida Nove de Julho, em Ribeirão Preto, lembra data da Revolução de 1932
Aurélio Sal/EPTV
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